Não à praxe académica
Para: Reitores das universidades, presidentes dos institutos politécnicos
Apelamos aos reitores das universidades, públicas e privadas, e aos presidentes dos institutos politécnicos para que declarem ilícita a praxe académica, dentro e fora das suas instalações, referindo-a explicitamente nos regulamentos disciplinares. Da mesma forma apelamos aos estudantes e às suas associações para que, entretanto, tomem por si próprios a iniciativa de extinguir a praxe.
Não o fazemos apenas no seguimento dos acontecimentos infelizes da praia do Meco, com os estudantes da Universidade Lusófona. Tornam a questão mais candente e mais perceptível para a opinião pública, mas não é por isto que nos opomos agora à praxe académica. Mesmo que não se tivesse chegado a este absurdo da perda de vidas jovens – e lembramos que não foi este o primeiro caso –, consideramos a praxe como atentatória dos princípios básicos da educação superior, das relações humanas baseadas na igualdade e no respeito mútuo e até do desenvolvimento saudável da personalidade.
Um sistema de praxe baseado na ausência de respeito pelo esforço de aprendizagem do estudante e valorizando como critério de autoridade a cabulice e o arrastar-se pelos estudos, como veterano, e manifestando-se em expressões culturalmente indigentes, uma praxe que reflecte um espírito de corpo, ainda por cima estratificado, que significa a aceitação acrítica de uma “ordem” imposta, é incompatível com os valores consensuais, objectivos e princípios éticos da educação superior.
Um sistema de praxe que se baseia em hierarquia sem mérito e em práticas até geralmente sem humor que se resumem a humilhação dos caloiros, entre berros e manifestações frequentes de mau gosto e ordinarice, para não dizer de boçalidade, ofende os princípios de respeito e igualdade que devem pautar as relações humanas, mormente em jovens numa fase crucial das suas vidas.
Um sistema de praxe baseado na submissão, mesmo dos mais velhos em relação ao dux, na inconsciência em relação a perigos óbvios, na sensação de poder, exercido contra indefesos (não se pode exigir a caloiros que tenham coragem para se negarem a serem praxados), no medo do ostracismo no caso de quebra da submissão, como se passa também em organizações iniciáticas ou manipuladoras das pessoas, um sistema de praxe destes é atentatório de um desenvolvimento saudável da personalidade de jovens ainda em formação.
É inaceitável o argumento da integração na comunidade universitária, para o que existem outros meios. No tempo em que o movimento estudantil desempenhou um grande papel na luta antifascista, com grande consciência cívica, a praxe estava tradicionalmente limitada a Coimbra, e mesmo assim com características diferentes das actuais. A falta de praxe nunca impediu formas mais modernas e civilizadas de acolhimento dos caloiros e de ajuda pelos mais velhos à sua inserção na vida universitária.
Por uma universidade moderna, de progresso, culta e de civismo exemplar, apelamos à extinção da praxe académica.